terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Sobre o ser Humano

A ABERTURA SOCIAL DO SER HUMANO

Nossa concepção não se inicia admitindo generalidades, mas estudando o particular da vida humana; o particular da existência; o particular do registro pessoal do pensar, o sentir e o atuar. Esta postura inicial a faz incompatível com todo sistema que arranque desde a «idéia», desde a «matéria», desde o «inconsciente», desde a «vontade», desde a «sociedade», etc. Se alguém admite ou rejeita qualquer concepção, por lógica ou extravagante que esta seja, ele mesmo sempre estará em jogo admitindo ou rejeitando. O estará em jogo, não a sociedade, ou o inconsciente, ou a matéria.

Falamos pois da vida humana. Quando me observo, não do ponto de vista fisiológico, mas existencial, me encontro posto em um mundo dado, não construído nem eleito por mim. Encontro-me em situação com respeito a fenômenos que começando pelo meu próprio corpo são iniludíveis. O corpo como constituinte fundamental da minha existência é, além disso, um fenômeno homogêneo com o mundo natural no qual atua e sobre o qual atua o mundo. Mas a naturalidade do corpo tem para mim diferenças importantes com o resto dos fenômenos, como são:
  1. o registro imediato que possuo dele;
  2. o registro que mediante ele tenho dos fenômenos externos
  3. a disponibilidade de alguma de suas operações mercê a minha intenção imediata.

Natureza, intenção e abertura do ser humano

Mas ocorre que o mundo se apresenta não somente como um conglomerado de objetos naturais, mas também como uma articulação de outros seres humanos e de objetos e signos produzidos ou modificados por eles. A intenção que advirto em mim aparece como um elemento interpretativo fundamental do comportamento dos outros e assim como constituo o mundo social por compreensão de intenções, sou constituído por ele. Sem dúvida, estamos falando de intenções que se manifestam na ação corporal. É graças às expressões corporais ou à percepção da situação em que se encontra o outro que posso compreender seus significados, sua intenção. Por outra parte, os objetos naturais e humanos se mostram como prazerosos ou dolorosos e trato de situar-me frente a eles modificando minha situação.

Deste modo, não estou fechado ao mundo do natural e dos outros seres humanos senão que minha característica é, precisamente, a «abertura». Minha consciência se configurou intersubjetivamente já que usa códigos de razoamento, modelos emotivos, esquemas de ação que registro como «meus», mas que também reconheço em outros. E, sem dúvida, meu corpo está aberto ao mundo quanto a este o percebo e sobre ele atuo. O mundo natural, a diferença do humano, se mostra sem intenção. Sem dúvida, posso imaginar que as pedras, as plantas e as estrelas, possuem intenção, mas não vejo como chegar a um efetivo diálogo com elas. Até mesmo os animais, nos quais às vezes capto a chispa da inteligência, se mostram impenetráveis e em lenta modificação dentro de sua natureza. Vejo sociedades de insetos totalmente estruturadas, mamíferos superiores usando rudimentos técnicos, mas repetindo seus códigos em lenta modificação genética, como se fossem sempre os primeiros representantes de suas respectivas espécies. E quando comprovo as virtudes dos vegetais e os animais modificados e domesticados pelo homem, observo a intenção deste abrindo caminho e humanizando ao mundo.
A abertura social e histórica do ser humano

É-me insuficiente a definição do homem pela sua sociabilidade já que isto não diz da distinção com numerosas espécies; sua força de trabalho também não é o característico, cotejada com a de animais mais poderosos; nem sequer a linguagem o define na sua essência, porque sabemos de códigos e formas de comunicação entre diversos animais. Em troca, ao encontrar-se cada novo ser humano com um mundo modificado por outros e ser constituído por esse mundo intencionado, descubro sua capacidade de acumulação e incorporação ao temporário, descubro sua dimensão histórico-social, não simplesmente social. Vistas assim as coisas, posso tentar uma definição dizendo: O homem é o ser histórico, cujo modo de ação social transforma a sua própria natureza. Se admitir o anterior, haverei de aceitar que esse ser pode transformar intencionalmente sua constituição física. E assim está ocorrendo. Começou com a utilização de instrumentos que postos adiante de seu corpo como «próteses» externas lhe permitiram alongar sua mão, aperfeiçoar seus sentidos e aumentar sua força e qualidade de trabalho. Naturalmente não estava dotado para os meios líquido e aéreo, no entanto, ele criou condições para deslocar-se neles, até começar a emigrar de seu meio natural, o planeta Terra. Hoje, além disso, está internando-se no seu próprio corpo, mudando seus órgãos; intervindo na sua química cerebral; fecundando in vitro e manipulando seus genes. Se com a idéia de «natureza» se quis assinalar o permanente, tal idéia é hoje inadequada ainda quando aplicada ao mais objetal do ser humano, isto é, ao seu corpo. E no que faz a uma «moral natural», a um «direito natural», ou a «instituições naturais» encontramos, opostamente, que nesse campo tudo é histórico-social e nada ali existe por natureza.

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