terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Violencia, estado e o poder

O ser humano, pela sua abertura e liberdade para escolher entre situações, diferir respostas e imaginar seu futuro, pode também negar a si mesmo, negar aspectos do corpo, negá-lo completamente como no suicídio, ou negar a outros. Esta liberdade permitiu que alguns se apropriassem ilegitimamente do todo social. Isto é, que negassem a liberdade e a intencionalidade de outros, reduzindo-os a próteses, a instrumentos de suas intenções. Ali está a essência da discriminação, sendo sua metodologia a violência física, econômica, racial e religiosa. A violência pode ser instaurada e perpetuar-se graças ao uso do aparelho de regulamento e controle social, isto é: o Estado. Em conseqüência, a organização social requer um tipo avançado de coordenação a salvo de toda concentração de poder, seja esta privada ou estatal.

Quando se pretende que a privatização de todas as áreas econômicas ponha a sociedade a salvo do poder estatal, oculta-se que o verdadeiro problema está no monopólio ou oligopólio. Estes transladam o poder de mãos estatais a mãos de um Paraestado já não dirigido por uma minoria burocrática, mas pela minoria particular que aumenta o processo de concentração.

As diversas estruturas sociais, desde as mais primitivas às mais sofisticadas, tendem à concentração progressiva até que se imobilizam e começa sua etapa de dissolução, desde a qual novos processos de reorganização arrancam em um nível mais alto que o anterior. Desde o começo da história, a sociedade aponta para a mundialização, e assim chegar-se-á a uma época de máxima concentração de poder arbitrário com características de império mundial, já sem possibilidades de maior expansão. O colapso do sistema global ocorrerá pela lógica da dinâmica estrutural de todo sistema fechado no qual necessariamente a desordem tende a aumentar. Mas, assim como o processo das estruturas tende à mundialização, o processo de humanização tende à abertura do ser humano, à superação do Estado e do Paraestado; tende à descentralização e a desconcentração a favor de uma coordenação superior entre particularidades sociais autônomas. Que tudo termine em um caos e um reinício da civilização, ou que comece uma etapa de humanização progressiva, já não dependerá de inexoráveis desígnios mecânicos, mas da intenção dos indivíduos e os povos, de seu compromisso com a mudança do mundo e de uma ética da liberdade que, por definição, não poderá ser imposta. E se haverá de aspirar não já a uma democracia formal manejada como até agora pelo interesse das facções, mas a uma democracia real na qual a participação direta possa realizar-se instantaneamente, graças à tecnologia de comunicação, hoje em condições de fazê-lo.


O processo humano

Necessariamente, aqueles que reduziram a humanidade de outros provocaram com isso nova dor e sofrimento, reiniciando no seio da sociedade a antiga luta contra a adversidade natural, mas agora entre aqueles que querem «naturalizar» a outros, à sociedade e à História e, por outra parte, os oprimidos que necessitam humanizar-se humanizando ao mundo. Por isto, humanizar é sair da objetivação para afirmar a intencionalidade de todo ser humano e o primado do futuro sobre a situação atual. É a imagem e representação de um futuro possível e melhor, o que permite a modificação do presente e o que possibilita toda revolução e toda mudança. Por conseguinte, não basta a pressão de condições opressivas para que se inicie a mudança, é necessário advertir que tal mudança é possível e depende da ação humana. Esta luta não é entre forças mecânicas, não é um reflexo natural, é uma luta entre intenções humanas. E isto é precisamente o que nos permite falar de opressores e oprimidos, de justos e injustos, de heróis e covardes. É, unicamente, o que permite praticar com sentido a solidariedade social e o compromisso com a liberação dos discriminados, sejam estes maiorias ou minorias.

Enfim, considerações mais detalhadas em torno da violência, o Estado, as instituições, a lei e a religião, aparecem no trabalho titulado A Paisagem Humana, incluído no livro Humanizar a Terra, ao qual remeto para não exceder os limites desta carta.

Quanto ao sentido dos atos humanos, não acho que se trate de convulsões sem significado, nem de «paixões inúteis» que concluam no absurdo da dissolução. Acho que o destino da humanidade está orientado pela intenção, a qual, fazendo-se cada vez mais consciente nos povos, abre passo em direção a uma nação humana universal.

Do comentado anteriormente surge a evidência de que a existência humana não começa nem termina em um círculo vicioso de encerramento, e também que uma vida que aspire à coerência deve abrir-se ampliando sua influência para pessoas e âmbitos, promovendo não somente uma concepção ou idéias, mas ações precisas que ampliem crescentemente a liberdade.



Bibliografia
Silo, Obras Completas, Volume I, “Cartas a meus amigos”: Terceira carta a meus amigos.

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